O Northrop F-5E Tiger II foi uma boa escolha para a FAB?

 


Quando se fala no F-5, logo se desperta na comunidade aeronáutica uma relação de amor e ódio. Afinal, o avião atende ou não atende aos requisitos operacionais da Força Aérea Brasileira?

Quando em 1974 trovejava sobre os céus brasileiros o segundo caça supersônico da FAB, o país entrava definitivamente na Era da “moderna Força Aérea”. Segundo o historiador e jornalista aeronáutico Rudnei Cunha, o F-5E foi o primeiro caça da FAB capaz de reabastecimento em voo. Enquanto o Mirage IIIEBR se destinava a cumprir missões de interceptação, ao F-5, desde o início, coube-lhe o papel de superioridade aérea, interdição e ataque. Mas afinal, foi uma boa escolha?

O F-5E Tiger II nasceu das lições aprendidas no Vietnã pelo F-5A Freedom Fighter, ‘sanando’ as deficiências do jato. Apesar do F-5A ter sido considerado o caça menos oneroso, tanto em homens/hora quanto em custos. O Freedom Fighter foi muito elogiado no ataque ao solo, embora usa-se em 1967 uma simples mira, tão moderna quanto a de um P-47 Thunderbolt, precisando executar um mergulho raso, mas devido a sua agilidade, o avião se esquivava fácil da AAA inimigo. O caça foi considerado o avião menos vulnerável do arsenal aéreo americano na guerra. Apenas dois jatos foram perdidos em combate. Em compensação, o F-5A foi muito criticado por necessitar de longas pistas, ter pouca autonomia e a incapacidade de levar a maior parte do arsenal de guerra dos EUA. O grande problema do caça era que a altura da pequena asa em relação ao solo praticamente impossibilitava o transporte de uma maior variedade de bombas. Até mesmo o transporte de napalm era complicado. Descobriu-se também que a posição do canhão ‘sujava’ o para-brisas, isso quando a munição não explodia dentro do cano, destruindo os aviônicos – em algumas vezes arrebentando o para-brisas. O uso do F-5A no Vietnã foi mais político do que efetivo. Alguns oficiais da USAF queriam um caça ágil em ação naquele teatro, mas o comando da USAF ainda estava sob a cartilha do caça grande, pesado e armado só com mísseis. Talvez se o Freedom Fighter tivesse tido a chance de engajar alguns MiGs, a história do caça fosse outra. Nunca saberemos.

O F-5 e o Brasil

Já em 1965, a FAB havia manifestado interesse no F-5A, mas por razões de outras necessidades, segundo o historiador Rudnei Cunha, a compra foi postergada. Nos anos 1970 a FAB precisava de um novo vetor para substituir o AT-33, que realizavam missões de interdição e superioridade aérea. Depois de analisar caças como o Harrier, o Jaguar, o Fiat G91 e o A-4, a FAB optou pelo Northrop F-5E.



Para manter a tal “austeridade” do F-5A, a Northrop manteve o mesmo pacote base aerodinâmico, com mínimas modificações. O resultado foi um avião mais potente, mas com os mesmos vícios.

O Brasil é um país continental. Países com tais dimensões procuram ter seus aviões dispersos pelo território. Isso demanda um elevado numero de aparelhos e aí é que começou, por assim dizer, o lado ruim do F-5 no Brasil.

Quem tem 10 aviões, em raríssimas oportunidades terá os dez para uso. Praticamente não existe disponibilidade de 100%. Uma parte sempre estará em manutenção, portanto, um baixo numero de aparelhos representa uma baixa disponibilidade. Atualmente a FAB tem a disposição, segundo fontes não oficiais, cerca de 48 caças F-5M. Se considerarmos todas as variáveis, deve haver cerca de 20 aviões pronto para ação. Convenhamos, para um país do tamanho do Brasil, isso soa como uma piada de mau gosto. Para piorar, o F-5E tem uma autonomia pequena. Diz-se que totalmente carregado (para ataque), seu alcance é de meros 300 km. Em 1974 isso poderia ser desconsiderado, mas lembre que atualmente existem bombas planadoras que podem ser lançadas de uma distância de 100 km! Portanto, o F-5E teria de operar próximo a linha de frente e aí já é outro problema.

Em 1951, durante a Guerra da Coreia, o F-86, o ápice da tecnologia da época, para dar partida no motor precisava de um auxílio mecânico externo, que era provido por um caminhãozinho. Em pleno século XXI, o F-5 ainda precisa deste mesmo caminhãozinho. Só isso já torna a operação do caça na linha de frente inconveniente. Desde o início da década de 1970 os aviões já possuem partida à gás. Além disso, voltamos ao caso das longas pistas. Bases próximas a linha de frente são desprovidas de quase tudo, tendo no máximo uma pista rudimentar. Os caças então são providos de pneus de baixa pressão e superfícies de hiper-sustentação, tais como slats e flaps Fowler. A FAB dispõe de uma aeronave totalmente capaz de operar desdobrada e próxima a linha de frente, que é o AMX A-1, que não por acaso é dotado destes dispositivos de hiper-sustentação.



Só por isso se vê claramente que o F-5 é limitado. Se ele deu a pequenas nações a capacidade de adentrar o reino do voo supersônico? Sim, claro que sim, mas a que preço? De que adianta ser supersônico se o uso do pós combustor diminui o alcance? De que adianta ser altamente manobrável (lembre que o F-5 não possui FBW) se o alcance é pífio e energia é igual a consumo de combustível?

O F-5E é um caça de defesa de ponto. Em 1974 fazia sentido ter um esquadrão aqui, um esquadrão ali, outro acolá. Devido ao baixo numero de aviões, a FAB dispôs o caça em míseros 3 esquadrões, sendo dois no Rio de Janeiro e um no Rio Grande do Sul. Dois esquadrões no RJ foi mais político e para atender interesses pessoais do que efetivo, mas isto já é outra história.

Com base no pífio alcance do F-5E, mesmo durante a década de 1970-80, podemos perceber que o país tinha apenas uma pequena área defendida. A perda de uma aeronave em combate seria significativa.

O F-5E é bom como defensor de curta distância. É um caça altamente manobrável, porém, tudo isso só podia ser explorado diurnamente. Caiu a noite, foi-se a capacidade do jato. Só com um ótimo GCI (Ground Controlled Intercept – controle de interceptação a partir do solo) para o caça poder combater a noite. Em 1982, durante a interceptação do Vulcan no RJ, o radar de bordo foi incapaz de localizar o gigantesco bombardeiro britânico. Não fosse o GCI, o Vulcan teria passado incólume pelo par de F-5E!



O problema do F-5E na FAB foi a pouca quantidade de aeronaves adquiridas. Como ele é um caça de defesa pontual, o correto seria um esquadrão em Santa Maria, um em Canoas, um em São Paulo, um no Rio de Janeiro, um em Salvador e um em Manaus. Só nesta conta, por baixo, temos 72 unidades! A FAB comprou 42 unidades (1º lote – 36 F-5E e 6 F-5B), mais 26 durante a década de 1980 (2º lote (usados ex-USAF) – 22 F-5E e 4 F-5F) e por fim os 11 jordanianos. Percebam que a defesa aérea do país só existe no papel!

O F-5M e a moderna guerra aérea

A moderna guerra aérea tem três importantes variáveis: guerra centrada em redes, BVR e stealth. Não vou nem entrar no mérito da capacidade stealth, simplesmente porque o F-5EM não é, nunca foi e nunca será furtivo. Vamos nos ater ao tema BVR. Como explorar a capacidade BVR e a guerra centrada em redes com uma aeronave de baixa autonomia? A guerra BVR força ao defensor interceptar o inimigo o mais longe possível, pois as modernas armas aéreas são capazes de serem lançadas a centenas de quilômetros, tais como certas bombas planadoras e mísseis de cruzeiro. Em média, o alcance de detecção efetiva de um radar é da ordem da casa do 400-500 km, considerando que o inimigo esteja em alta altitude e não seja stealth. De que adianta localizar o inimigo se o F-5EM não tem combustível suficiente para chegar ao seu melhor ponto de lançamento de um AAM BVR? Qual a efetividade de se carregar um míssil BVR com alcance de 120 km se o caça mal consegue se manter no ar por causa do pouco combustível? E outro detalhe, na guerra BVR, atira primeiro quem vê primeiro. Para “ver” primeiro, é preciso já estar no ar. Se o F-14, um caça grande, precisava fazer constantes REVO quando orbitando ao redor do porta-aviões, imagina um F-5 em missão CAP! Tem de voar ao lado do KC!



E lembre, o F-5M não foi modernizado pelo melhor, mas pelo o que de melhor poderia receber, pois o nariz e radome do F-5 limitou tanto a instalação da antena de radar e dos aviônicos necessários, que a EMBRAER teve de aumentar em alguns centímetros o comprimento do nariz e remover um dos canhões! E isso sem falar que o caça não gera a energia necessária para equipamentos de maior consumo!

Concluindo, a família F-5 é excelente, mas para os padrões de 1960, 1970 e 1980. Se considerarmos apenas na arena ar-ar e no combate visual, ele ainda é muito efetivo, tanto que ele treina os pilotos de Raptor na arte do corpo-a-corpo. O F-5, e todos seus contemporâneos correlatos, em especial o MiG-21, deixaram de ser efetivos quando a capacidade BVR se tornou realmente eficaz e isso foi na primeira Guerra do Golfo.

No Brasil, o F-5 cumpriu – e bem – o seu papel, embora seja difícil identificar qual é a estratégia da FAB. O erro da FAB, e aí talvez nem seja erro dela, mas dos sucessivos governos que nunca deram valor as forças armadas – mesmo os governos militares – de sempre contingenciaram os orçamentos, fazendo com que os planejadores militares brasileiros jogassem com o que tinham.



Tanto o F-5E quanto o M teriam tido real poder de dissuasão se em grandes quantidades. Se o inimigo derrubasse Santa Maria, teria ainda de derrubar Canoas, depois São Paulo e por aí adiante. Hoje, e no passado, basta derrubar Canoas e todo o céu da região Sul do país estará nas asas do inimigo. Em 1990 a FAB deveria ter trocado o F-5 pelo F-16 ou pelo F/A-18 Hornet, este mais adequado, mas, isso não aconteceu. Que venha logo o Gripen, e que o F-5 seja definitivamente retirado de serviço e que o Gripen não seja contingenciado e usado como um F-5…


Ceiling and Visibility are OK!

NOTA DO EDITOR: O Brasil é um país de muita sorte, pois as forças aéreas dos países fronteiriços conseguem ser menos sofisticadas e quando são poderosas, como foi a Fuerza Aérea Argentina, arranjam uma guerra para serem destroçadas…é muita sorte! Mas um dia a sorte acaba…


FONTE: https://www.cavok.com.br/opiniao-afinal-o-northrop-f-5e-tiger-ii-foi-uma-boa-escolha-para-a-fab

Comentários

  1. Excelente texto. Ajudou a entender porque nosso caça é tão odiado. De fato, mesmo modernizado, o mais numeroso avião da FAB tem limitações que impede de ser o que acham que pode ser. Mas, qual avião vocês acreditam que poderia suplementar o Gripen?

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